Tenho recebido alguns questionamentos sobre os erros conceituais contidos no PL (Projeto de Lei) de regulamentação profissional proposto pela ABD. Alguns deles (inclusive de uma diretora regional da ABD) referem-se ao fato de que no texto do PL não há qualquer menção ao objeto arquitetônico, de modo que, aparentemente, exclui-se a vinculação deste com a área de Design de Ambientes.
Outras questões também são levantadas como responsabilidade técnica, por exemplo. Vamos então analisar mais uma vez a proposta que pode ser lida aqui neste link.
1) Termo “Interiores”
O termo “interiores” encontra-se presente em todo o texto do PL sem qualquer cuidado semântico o que leva equivocadamente leigos e outros profissionais a uma compreensão distorcida e reducionista de que o profissional a que se refere a PL somente pode trabalhar com espaços internos.
2) Formação
Artigo 4°, inciso II.
Exigir apenas dois anos para quem não tem formação na área (nem em outra área do Design) como meio de ser “reconhecido” como Designer de Ambientes. Tem muita gente não formada em Design trabalhando com Decoração de Interiores, mas com Design de Ambientes, conta-se nos dedos e olha que sobram dedos.
3) Das atribuições:
Artigo 5°.
Inciso I: OK.
Inciso II: OK, mas ainda penso que cabem outros elementos.
Inciso III: “projetos de interiores”, fala sério. O jardim e a piscina não são objeto da atuação profissional quando integrados a ambientes a serem projetados?
Inciso IV: a partir do momento que podemos PROPOR alterações estruturais visando a melhoria dos espaços/ambientes, estes devem ser lançados no projeto. Vejam bem que PROPOR não quer dizer EXECUTAR. Para avaliar a viabilidade da proposta, determinar as respectivas condições técnico-estruturais para sua exequibilidade e, por fim, executar as alterações específicas apresentadas pela proposta compreende-se a participação/parceria de profissionais de engenharia civil. À medida que se amplia a complexidade de um determinado projeto, torna-se inconcebível prescindir, na sua elaboração e execução, de um rigoroso tratamento multidisciplinar concretizado na forma colaborativa de parceria multiprofissional. A parceria se torna uma exigência de qualidade e segurança.
Inciso V: você manda comprar e instalar tudo isso e o cliente/usuário que se exploda para aprender a lidar com a parafernália toda? Nesse ponto é fundamental que passe a ser adotado, de maneira obrigatória) um “Manual do usuário” para ser deixado com o cliente. No entanto é bom relembrar um detalhe: o cliente, de um modo ou de outro, tem que participar efetivamente de todas as etapas da elaboração do projeto.
Inciso VI: OK, mas ainda cabem mais elementos que merecem ser debatidos abertamente.
Inciso VI: OK, mas ainda cabem mais elementos que merecem ser debatidos abertamente.
Inciso VII: Tenho sérias restrições à este item uma vez que temos muitos profissionais que sobem os valores dos produtos (seja através das RTs ou da revenda). Isso também envolve a questão dos orçamentos onde alguns profissionais já alteram os valores antes de apresentar aos clientes. Isso deve ser analisado com muito cuidado diante da realidade do mercado.
Inciso VIII: OK. Inciso IX: o inciso inicia com o termo “planejar” e em seguida barra as propostas de alterações estruturais. Existem muitos projetos que a única solução – ou a mais viável – envolve a alteração de algum elemento estrutural. Portanto, deve-se eliminar essa barreira do texto. Lembro mais uma vez que PROPOR é uma coisa, EXECUTAR é outra. Planejar envolve a proposição de alterações estruturais, de acordo com a complexidade do projeto. Neste caso, considerando a complexidade do projeto, cabe a indicação de profissional parceiro (engenheiro) para avaliação e execução de tais alterações. Há que se impor que todo projeto complexo deve envolver parceria multiprofissional: isso vale para qualquer profissional.
Inciso IX: leia bem este inciso para perceber a incoerência do PL.
Inciso X: tirando o termo “interiores”, OK.
Inciso XI: OK.
Inciso XII: OK.
Inciso XIII: OK.
Inciso XIV: OK.
Inciso XV: OK.
4) Das competências:
Artigo 6°. Insistem no termo “interiores”.
Inciso I: OK.
Inciso II: OK.
Inciso III: OK.
Inciso IV: Observa-se uma contradição estranha quanto à questão de planejar (ou PROPOR) em segmentos notadamente de outras áreas. Porque não fazer o mesmo para as alterações estruturais já citadas anteriormente?
Inciso V: Penso que não haveria problema assumir uma atitude corajosa em inserir neste inciso o conjunto “em linguagem industrial” para os projetos, independente se for peça exclusiva ou seriada. Isso forçaria as universidades reavaliarem e readequarem esta disciplina que, em boa parte dos currículos, ensina projetos padrão marcenaria e não industrial.
Inciso VI: texto oco, vazio e sem entendimento em si. Dispensável.
Inciso VII: novamente a questão “não estrutural” esquecendo-se da premissa do Design de solucionar problemas através do planejamento e proposta. Proposta = propor.
Inciso VIII: OK. Paragrafo único: é o que eu já coloquei sobre profissionais parceiros e a diferença entre propor e executar.
5) Final
Artigo 7°. OK.
Após o texto do PL entra o texto da justificativa. E é aqui que se encontra o maior de todos os problemas disso tudo: os erros de direcionamento parlamentar que comporão, futuramente, a alma da Lei.
Eu já fiz uma análise sobre o texto deste PL aqui neste post portanto vou abster-me de repeti-la. Vou focar então minha análise na tal “alma da Lei” que muitos irão achar engraçado ou até absurdo, mas legalmente, ela existe.
“A atividade do designer de interiores está relacionada com à do arquiteto, sem, contudo, confundir-se com ela.”
Este trecho da justificativa é crucial para a alma da Lei. Aqui está a amarra da área exclusivamente à Arquitetura. Por mais que tenha o “sem, contudo, confundir-se com ela.”, o simples citar disso no texto da justificativa já basta para futuras interpretações equivocadas da mesma em casos judiciais.
Amarrar a área à Arquitetura desta forma significa que não poderemos realizar vários outros trabalhos possíveis, pois estas não são atribuições da Arquitetura e tampouco elementos ou objetos arquitetônicos.
1° ponto: do corpo parlamentar.
Da forma como está descrito, o texto leva os parlamentares a pensarem erroneamente a concepção da área apenas com relação aos projetos envolvendo o objeto ou espaço arquitetônico desconsiderando todas as outras áreas possíveis para a nossa atuação profissional.
Eles irão votar exatamente aquilo que está escrito. E no texto o nosso trabalho está amarrado apenas ao objeto arquitetônico. Futuramente, em caso de questionamentos sobre a Lei, eles poderão até mesmo REVOGA-LA por erro conceitual ou por terem sido induzidos ao erro para aprova-la da forma como estava durante o trâmite no Congresso nacional.
Quem iria questionar ou fazer uma sandice dessas?
Eu ou qualquer outro profissional devidamente habilitado na área e que venha a ser impedido de exercer a sua profissão plenamente por causa de uma lei mal elaborada que me impede de contribuir com a sociedade e com o desenvolvimento do país em diversos segmentos da economia, do social terá o direito de fazer isso.
2° ponto: do referencial jurídico.
A Lei – pela justificativa apresentada e a ela incorporada – por si só é a jurisprudência principal no caso de um processo. Portanto, em caso de processos futuros não é apenas o texto da Lei que será levado em consideração, mas toda e qualquer interpretação legal terá como base o texto de justificativa que reflete, por sua fundamentação, a intencionalidade do legislador ou a “alma da lei”, por mais que tal texto não apareça futuramente junto à Lei sancionada. De modo análogo, incluem-se todos os demais textos que são incorporados à tramitação do projeto de lei que explicitem a referida intencionalidade.
SUBENTENDE-SE.
Com isso, facilmente algum advogado poderá se valer do texto de justificativa e outros correlatos ou análogos que foram apensos ao PL em sua tramitação até sua aprovação e promulgação. Ao recorrer à justificativa ou fundamentação, serão levantadas dúvidas sobre a atuação do profissional. Afinal, embora não esteja explicitada nos termos da Lei, a recorrência a estes textos, do ponto de vista hermenêutico, permite restringir a atuação profissional apenas aos elementos arquitetônicos. Em processos futuros certamente esta justificativa do PL tornar-se-á elemento hermenêutico crucial para condenar o “erro” do profissional que extrapole os limites legais da Lei no exercício profissional.
Por exemplo, se o profissional projetar o “interior” de uma embarcação estará ferindo a “alma da Lei” e terá que responder judicialmente por isso como exercício ilegal da profissão. Do mesmo modo, se o profissional projetar o “interior” de uma aeronave, poderá também ser processado por exercício irregular da profissão. O mesmo acontece caso ele desenvolva um projeto de transformação de um ônibus em um motorhome.
No texto de justificativa e fundamentação do PL, NENHUM destes elementos aparecem relacionados com a Arquitetura, mesmo sendo “interiores” afinal nem podem constar do texto dessa maneira, pois não são objetos arquitetônicos.
Nem de longe a justificativa apresenta qualquer possibilidade de atuação nestes segmentos e em diversos outros. O foco é apenas o elemento arquitetônico e, sempre voltado a algo mais condizente com a realidade da Decoração que do Design.
Considerando o grave equívoco do termo “interiores”, teremos também problemas com relação a projetos envolvendo elementos arquitetônicos. Por exemplo, o profissional poderá sofrer penalizações legais caso venha a realizar a reforma de uma praça pública ou privada em decorrência do termo “interiores” que se apresenta no texto de justificativa e fundamentação do projeto. Ainda poderão ocorrer problemas com relação à atuação do profissional fora dos “interiores” do elemento arquitetônico. Por exemplo, as fachadas também estão fora de nossa alçada e os grandes jardins (por mais que tenhamos estudado paisagismo e feito cursos e especializações na área) estarão fora de nossa atuação profissional, pois, segundo o dicionário Michaelis, temos que:
INTERIOR
in.te.ri.or adj (lat interiore)
1 Que está dentro. 2 Interno. 3 Íntimo, particular, privado. 4 Concernente à alma, à natureza moral. sm 1 A parte que está dentro. 2 Parte central de um país, por oposição às fronteiras. 3 Parte interna do país por oposição à costa ou litoral. 4 O próprio país, por oposição aos países estrangeiros. 5 O que há de mais recôndito de qualquer coisa. 6 Vida de família. 7 Instalação interna de uma casa.
Fica claro assim que, apenas “o que está dentro, é interno ou ainda, apenas as instalações internas de uma casa” poderão ser alvo do nosso trabalho caso este PL seja aprovado como está. Todas as outras possibilidades de atuação profissional que temos serão descartadas legalmente em função de uma Lei equivocada e mal elaborada. Há que ressaltar a certeza de que estas outras possibilidades são de nossa competência dado que adquirimos, ao longo de nossa formação acadêmica, os CONHECIMENTOS necessários e suficientes para realiza-las com segurança e qualidade.
Certamente, pelo desespero da ABD em perder o poder que acha que possui, atravessaram um projeto de lei desrespeitando TODOS os profissionais da área ao fazê-lo de maneira arbitrária e sem qualquer diálogo autenticamente democrático com a comunidade profissional DEVIDAMENTE HABILITADA NA ÁREA.
Pelo contrário, foi uma decisão tomada numa diretoria formada por, inclusive, arquitetos. Torna-se claro que, por um corporativismo às avessas, estes que fazem parte da diretoria estão defendendo (ou poderíamos dizer, reservando) o “seu” mercado ou o de seus amigos arquitetos que trabalham realmente com Arquitetura.
Uma diretora de uma regional da ABD entrou em contato comigo para conversar sobre as discordâncias entre nós (profissionais) e eles (ABD) sobre o texto do PL. Ela concorda em diversos pontos e diz que dentro da própria ABD tem outros que concordam com minhas argumentações, porém percebe-se que está praticamente impossível dialogar com a diretoria.
Propus que a ABD solicite uma pausa na tramitação e que o Congresso Nacional programe e realize audiências públicas para ajustarmos – com a participação de todos os profissionais concernidos que representem especifica e efetivamente a área profissional em questão – o texto do PL às reais necessidades e direitos dos profissionais devidamente habilitados, incorporando alguns elementos e detalhes significativos e alterando a justificativa e fundamentação de modo a eliminar incorreções e lacunas que possam causar futuros problemas para o exercício profissional. Após isso feito, a tramitação voltaria ao normal.
Mas – como sempre existe um “mas” – a diretoria negou essa possibilidade. Eles querem que a tramitação siga normalmente agora e que, após a sanção presidencial sejam feitas as alterações através de emendas.
A meu ver, isso até poderia ser feito SE a Lei tivesse poucas e pequenas alterações a serem feitas, o que não é o caso. Como também SE houvesse a possibilidade de alterar a justificativa da Lei pós sanção presidencial, o que é impossível.
Caso insistam nesse caminho, cairemos fatalmente na instabilidade jurídica da Lei afinal serão muitos pontos para serem alterados e o questionamento da justificativa a tornará juridicamente instável ao ponto deles poderem revoga-la por terem sido induzidos ao erro quando a votaram. E, caso isso aconteça, muito além se perder um tempo monstruoso na tramitação e aprovação deste atual PL, iremos virar motivo de chacota dentro do Congresso Nacional o que irá levantar barreiras imensas para a tentativa de tramitação de um novo PL.
Fora a questão direta do PL, outro ponto importantíssimo é que a ABD assuma publicamente um compromisso de não nos enfiar dentro do CREA ou do CAU. Não queremos levar a mesma vida sofrida e com tantas dificuldades e conflitos que os arquitetos levavam dentro de um conselho federal onde não tinham voz e nem vez. Dentro do CREA teremos os mesmos problemas que os arquitetos tiveram e dentro do CAU existem arquitetos 100% contra a existência de nossa profissão. Portanto… Fica a dica.
Assim, em nome da ética, do bom senso e da integridade de nossa profissão, o melhor é que a ABD dê esta pausa na tramitação deste PL e abra-se ao diálogo antes que o pior aconteça.
Já tentamos diversas vezes dialogar com eles sem sucesso. Eu, por falar as verdades necessárias e por tocar em feridas que eles fazem de conta que não existem, sou tido como persona non-grata lá dentro por parte dos diretores. E, falar verdades, para alguns diretores, é sinal de “ser chulo”.
Ironic mode on: isso me lembra a fala de uma das “mulheres ricas” quando ela colocou que “dizer a verdade não é ser chique”. #MURRI kkk – Ironic mode off.
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Ok afinal, futuramente, os culpados de todos os problemas serão somente deles (ABD) se assim insistirem.