DESIGNERS DECAPITADOS

* Por Ernesto Paulo Harsi, designer e diretor de Projetos da Associação de Designers de Produto – ADP.

É extremamente comum sermos envolvidos em discussões a respeito do que as escolas de design devem ensinar: se é dar bases teóricas ou preparar para a prática, neste caso, o mercado de trabalho.

Afastando-nos do frequente argumento de que a teoria é para a vida inteira e prática só serve para hoje, vejamos outro aspecto comumente ignorado: a avaliação de que o tempo passado na academia é usado para se sonhar, divagar e explorar caminhos teóricos sem nenhuma conexão com o “mundo real”, da labuta diária de uma profissão, em que, por outro lado, temos que ser produtivos, portanto, não podemos “perder tempo” com teorias.

É comum a percepção, até de profissionais experientes, de que teoria e prática são duas coisas diferentes, cada uma utilizada em seu tempo e para fins diversos. Isto se manifesta principalmente na convicção de muitos de que “teóricos” (entenda-se por isso acadêmicos) devem ensinar História, Pesquisa e Semiótica e “práticos” (entenda-se por isso profissionais atuantes) devem ensinar projeto. Isto parte da convicção de que o profissional atuante não “perde tempo” com teoria, vai direto ao ponto, é mais eficiente (em termos de tempo) e “resolve”, enquanto o acadêmico teórico ensina porque “não sabe fazer”, ou se perderia em explorações de caminhos inúteis em vez de “fazer” o que o “senso comum” exige que seja feito.

Vamos concluir daí que o profissional atuante “ignora” (consciente ou inconscientemente) a teoria? Que a teoria é apenas o “creme” do bolo? Vamos concluir que o professor de projeto deve passar ao largo da teoria na hora de ensinar a prática?

Nada mais falso. Esta visão vem de um entendimento da divisão do trabalho que separa pensar do fazer, que separa a cabeça da mão.

Designers são pagos no mercado de trabalho para desenvolver soluções inovadoras, interessantes, atraentes e úteis para o consumidor final e também estrategicamente para a empresa. Como fazer isso bem feito, se não aplicarmos a teoria na prática?

Então não vamos usar o que aprendemos de História do Design ou Gestalt na hora de definir o aspecto comunicativo do produto? Não vamos usar o que aprendemos em Teoria de Marketing para definir aspectos da aparência do produto adequados para a posição que ele ocupará no conjunto de opções disponíveis no mercado? Vamos descartar tudo o que aprendemos em Metodologias de Pesquisa para simplesmente seguir as “tendências” que outros estão fazendo, ou seguir cegamente as “inspirações” do cliente?

Se por um lado existe o receio justificado de “superintelectualizar” a prática, por outro lado, ao nos tornarmos designers industriais nos diferenciamos dos artesãos que adquirem e aperfeiçoam seu conhecimento e habilidade apenas na prática diária.

Outro receio comum é que a teoria, vista como externa ao processo de design, vai cortar a “intuição” e a imaginação criadora do designer. Vamos concluir daí que o processo do design é irracional? Intuitivo? Estamos dizendo ao nosso cliente que o produto em que ele está investindo dezenas ou centenas de milhares de reais foi projetado na intuição?

Sabemos que o design é uma profissão que não pode ser aprendida nos livros, só a prática nos torna designers de verdade, porém esta prática tem que incorporar a teoria e não se basear no acúmulo de “intuições”. Criatividade não é fazer qualquer coisa livremente, mas sim encontrar o caminho mais interessante e inovador dentro dos parâmetros definidos pelo “briefing”.

Ouvimos dizer também que a teoria não leva em conta o que é possível e o que não é possível de se fazer, coisa que só quem “faz” é que sabe. Então estamos usando a teoria de forma errada. A teoria também tem que ser construída através da prática.

A teoria tem que ser a intervenção crítica no próprio trabalho, a reflexão sobre o que estamos fazendo e o embasamento de nossas propostas. A responsabilidade do design é tão grande para as empresas nos dias atuais, que não podemos nos dar ao luxo de não incorporarmos a teoria em nossa prática no dia-a-dia.

A teoria só serve se for realmente usada na prática. E inversamente, a prática só tem qualidade se embutir a teoria. Não podemos perder nossas cabeças.

Ernesto Paulo Harsi estudou arquitetura e design na FAU-USP. Frequentou cursos de design de móveis, design de interiores, design de automóveis e desenho artístico. Foi gerente de design da Philips do Brasil, especializado no desenvolvimento de produtos de áudio e vídeo. Empreendeu períodos de trabalho na Holanda, Bélgica e Estados Unidos. Integrou várias vezes a equipe dos workhops para criação de produtos mundiais da empresa. Em parceria com vários escritórios de design, orientou projetos de design gráfico e design promocional para ponto de venda, inclusive ambientes de lojas. Com escritório próprio desenvolveu produtos industriais, várias linhas de mobiliário para lojas e instalações comerciais e projetos de identidade visual para empresas e eventos. Professor de Design Gráfico e História do Design. Consultor em Design Estratégico e Criatividade Aplicada a Projetos, assuntos sobre os quais também ministra cursos e workshop.

Fonte: http://www.designbrasil.org.br/portal/artigos/exibir.jhtml?idArtigo=523

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