A falta da regulamentação profissional do Design de Interiores/Ambientes está afetando cada dia mais o nosso exercício profissional. Muitos acadêmicos nem fazem idéia do que anda acontecendo e incontáveis profissionais já formados simplesmente fazem de conta que o problema não é com eles.
Pois bem, está tramitando no Congresso Nacional o PL 1391/11, de autoria do Deputado Luiz Penna, que regulamenta a profissão do designer. No entanto, abre-se uma grande discussão em torno desta regulamentação.
O PL contempla apenas as seguintes áreas: Comunicação Visual, Desenho industrial, Programação Visual, Projeto de Produto, Design Gráfico, Design Industrial, Design de Moda e Design de Produto. Design de Interiores/Ambientes ficou de fora.
Esta é uma discussão que já tenho há vários anos com alguns “cabeças do referido PL”. Com um deles, especificamente, não há mais qualquer respeito no tratamento um com o outro – e também nem faço questão disso com relação especificamente a esse cara. Explico:
Em todos os fóruns que participo sobre o assunto sempre tentei mostrar a área de Interiores/Ambientes como parte integrante da raiz Design. Tanto é verdade isso que até mesmo as diretrizes do MEC a mantém ligada à raiz Design. No entanto, nunca recebi qualquer argumento convincente que me calasse. Todas as tentativas foram baseadas em máscaras e deixavam claro o desconhecimento total deste(s) com relação à área de Interiores/Ambientes. Não passam de meros “achismos”.
Sempre questionei sobre as escolhas das pessoas que iriam compor este comitê para estudos do PL, especialmente sobre “quem” representaria Interiores neste grupo. Também me posicionei radicalmente contra a escolha da ABD como representante em detrimento da AMIDE, ou melhor, porque associações são ouvidas e os profissionais não? Porque alguns profissionais de outras áreas do Design foram ouvidos e nenhum da área de Interiores foi? Alertei inúmeras vezes de que isso não funcionaria, pois a ABD não é uma associação de Design. Ela é uma associação que congrega decoradores, arquitetos decoradores E designers de interiores/ambientes. Para piorar a situação, a própria associação é incapaz de distinguir os três profissionais que fazem parte de seu corpo de associados. Mas foi a escolha deste grupo, sem qualquer tipo de consulta aos profissionais da área. Claro e óbvio que não funcionou e a ABD caiu fora alegando ter “um projeto próprio de regulamentação”.
Certa vez, depois de um forte debate e, quando vários designers de outras áreas perceberam a enrolação dele e começaram a pegar no seu pé para que me respondesse claramente ele soltou:
“Não queremos problemas com os arquitetos”.
Na sequência, quando percebeu que isso revoltou vários profissionais presentes, ele apagou o post. Nesse mesmo período, o pessoal das comunidades de arquitetura estavam com um forte movimento pela criação do conselho próprio, o CAU. Vários assuntos eram debatidos e entre eles, claro, ficava claro o descontentamento deles com a invasão (na verdade percebia-se o medo pela competitividade) dos Designers de Interiores/Ambientes, raça infeliz que tinha de ser extirpada. Como, legalmente, isso não é possível, começaram com um trololó de fazer a regulamentação da área através do CAU. E esse fulano juntou-se ao coro deles apoiando integralmente a ideia. Aí foi quando o respeito meu por ele acabou de vez (o dele por mim nunca existiu).
Então é assim. Corta-se na carne para beneficiar alguns grupos – ou áreas – e que se danem os outros. Uma postura no mínimo vergonhosa e que deve ser motivo de vergonha para todos os designers, de todas as áreas, nesse processo em andamento e para os parlamentares que o estão aprovando cegamente.
O Design no Brasil está sendo regulamentado, porém, antes disso, foi estupidamente amputado.
E pior, ainda tem gente que acredita que fazendo isso o Design brasileiro vai encontrar finalmente a sua identidade…
Mas devemos culpar apenas este grupo por esse erro insano?
Não!
Querem saber de quem também é a culpa? Vamos lá:
Das IES:
Enquanto tivermos cursos de Design de Interiores ligados à coordenações de Arquitetura e não de Design, enquanto tivermos uma maioria do quadro docente oriundos da Arquitetura e não do Design, dificilmente teremos cursos reais de Design de Interiores/Ambientes. Grande parte dos cursos está formando meros decoradores por causa destes dois problemas citados.
Ponto 1: O curso deve, assim como direciona o MEC, ser ligado ao departamento de Design;
Ponto 2: Os professores devem ser primeiramente das diversas áreas do Design que são utilizadas num projeto de Interiores/Ambientes. Arquitetos e engenheiros entram apenas nas disciplinas técnicas de plantas arquitetônicas, hidráulica, elétrica e similares. O resto tem de ser ministradas por DESIGNERS.
Ponto 3: os coleguismos nas contratações devem acabar. Professor que não tem comprometimento com a educação e não está disposto a compartilhar conhecimento, não merece espaço numa IES séria. E temos muitos pseudos-professores que não vêem alunos e sim futuros concorrentes no mercado de Interiores e evitam a todo custo, compartilhar corretamente os conhecimentos.
Ponto 3: Devemos pressionar e incentivar as IES públicas no sentido da abertura deste curso. A grande maioria dos cursos brasileiros é oferecida por IES privadas e todos sabem muito bem como estes funcionam (PP e PPP).
Ponto 4: O reconhecimento de qualquer profissão e o fortalecimento vêm através de pesquisas e, nas IES privadas isso não interessa. Para as IES provadas a pesquisa é um gasto desnecessário. Tanto é verdade isso que a bibliografia brasileira na área é ridícula.
Ponto 5: Nos vestibulares faz-se urgente a exigência de THE (Teste de Habilidade Específica). Da forma como vem sendo feito, muitas IES privadas cobram apenas uma redação que, muitas vezes, não passam de um parágrafo ridículo e mal escrito. Não à toa que muitos calouros desistem do curso ao descobrir que o curso de Design de Interiores/Ambientes não é mera decoração como pensavam e sim algo bem mais complexo. Um THE já eliminaria essa visão errada do curso e, certamente, teríamos alunos mais preparados para o curso.
Ponto 6: as IES devem ver este curso como uma importante área para o bem estar da sociedade e não apenas como um mero arrecadador de dinheiro, já que está na moda e a procura é grande.
Ponto 7: eliminação da oferta deste curso na modalidade “à distância”. É uma área técnica e que exige a presença constante do professor ao lado do aluno para corrigir seus erros e ensinar a forma correta de fazer um projeto e tudo que engloba o mesmo. Não vemos cursos de Arquitetura à distância. Da mesma forma é impensável um curso de Design de Interiores/Ambientes à distância dada a sua complexidade e transdisciplinaridade.
Das associações:
Ponto 1: Seriedade. Ninguém aqui estudou e investiu tanto para ficar brincando de casinha. As associações tem de acordar para a realidade do mercado e posicionar-se claramente sobre o mesmo. Não devem agir apenas quando um problema acontece com um dos membros da corte e na sequencia simplesmente fazer o problema cair no esquecimento da mídia.
Ponto 2: Jamais uma associação deve ficar em cima do muro por melindres ou medinhos. Deve encarar de frente os problemas que afetam os profissionais por ela representados.
Ponto 3: Transparência. As associações devem ser claras nas informações destinadas ao público, distinguindo corretamente os profissionais que agregam.
Ponto 4: Ação. Elas devem promover ações propositivas e positivas no sentido de educar o mercado corretamente e de maneira eficiente.
Ponto 5: Isenção. Uma associação jamais deve deixar-se guiar por fornecedores tornando-se refém. Em primeiro lugar devem vir os profissionais por ela representados, depois idem, depois idem e se sobrar tempo, idem.
Dos Profissionais:
Depois de formados saem feito loucos atrás de clientes sem se importar com questões profissionais. Só aparecem quando enfrentam algum problema. Mas assim que é resolvido, desaparecem novamente sem se importar com os colegas de profissão. Na verdade o problema é bem mais sério.
Ponto 1: A maioria atua como decoradores e se esquecem dos princípios do Design em seus projetos. Vivem dentro do mesmo mercado que os decoradores e os arquitetos decoradores. Raramente aplicam seus conhecimentos em Design em seus projetos. A maioria não desenha um móvel mais que a forma externa e esboços do que pensaram para as divisões internas. Especificar ferragens e materiais pra que se o marceneiro sabe tudo e fará o trabalho? A maioria prefere largar o projeto da cozinha nas mãos dos vendedores projetistas das lojas. Também pra que perder esse tempo todo se temos móveis prontos em lojas de qualquer esquina? Onde enfiaram os conhecimentos aprendidos na faculdade? Ou será que só frequentaram faculdades do tipo PP (pagou passou) ou PPP (papai pagou passou)? Ou ainda, será que cursaram mesmo Design de Interiores ou algum curso mascarado de decoração? Foram enganados?
Ponto 2: Será que a formação foi tão deficiente para lançar no mercado meros decoradores com canudo de designers?
Ponto 3: profissionais que preferem ficar com suas bundas gordas confortavelmente sentados esperando que alguém faça o “trabalho sujo”, que “dê a cara pra bater”. Assistem tudo de camarote e são covardes ao ponto de não se pronunciar, mesmo sabendo que a situação pode afetar o seu lado profissional.
Ponto 4: estes mesmos profissionais folgados que, depois de regulamentada a profissão e, antes mesmo da instalação do Conselho Federal, já estarão berrando nas redes sociais que querem a sua carteira profissional.
Como muito bem colocou a Keylla Amelotti no grupo Design de Ambientes – UEMG:
“Acredito que se os próprios designers de ambientes se entendessem como uma disciplina de design e não um “braço” da arquitetura, não bateríamos tão de frente com a arquitetura. Porque nós, designers de ambientes, fazemos muito mais do que decorar e humanizar a edificação que o arquiteto projetou; nós podemos ser paisagistas, designers de móveis, cenógrafos, designers de eventos; nós podemos fazer a diferença na qualidade de vida dos trabalhadores de uma loja, de uma fábrica, de um consultório; nós podemos auxiliar na produtividade de uma empresa, nós podemos transformar a forma como uma criança pode ver e sentir toda a sua vida escolar; nós podemos fazer o sonho de uma vida virar realidade num casamento, numa festa de aniversário, num quarto com alma… Nós somos e podemos muito mais do que a maioria pensa – muito mais do que alguns de nós mesmos pensam, e é por isso que parece que lutamos por migalhas de arquitetos. Nós temos muito mais a oferecer à sociedade do que querem nos fazer acreditar. Basta que a gente descubra isso, inclusive dentro da escola de design.”
Disse tudo!
Todo Designer de Interiores/Ambientes é também um Decorador. Mas não é Arquiteto.
Todo Arquiteto é também um Decorador. Mas não é Designer.
Todo Decorador é apenas Decorador. Não é Arquiteto. Também não é Designer.
Isso é um fato real e tem de ser encarado de frente, sem achismos, melindres e ego(ísmo)s.
Daí a necessidade de um profissional necessitar da parceria com os outros numa equipe multidisciplinar. Cada um no seu quadrado correto.
Ou preferem ficar aí vendo a banda passar para depois chorar sobre o leite derramado se fazendo de vítimas do sistema?
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Pelo visto não são apenas os Paisagistas que estão enfrentando problemas com a regulamentação da profissão =(
Pois é Murilo,a coisa tá séria e o pessoal parece fazer de conta que não está vendo…
=\
prezado colega, muito importante o seu comentário… não tenho a formação em design de interiores, mas sim e design de produto (ou projeto de produto), mas seu artigo é muito importante. Gostaria de ver todos se formarem em design, e depois com a pós-graduação aí sim ir aparecendo as especializações… ou seja colega, todos se formariam em design, e fariam especializações em alguma área do design.
Assim sendo, acabaríamos com divisões dentro de nossa profissão e todos então seriamos mais fortes para coisas assim não acontecesse.
Enzo,
compartilhamos da idéia de um curso único com ênfases distintas.
Também acredito que assim, as áreas podem dialogar com mais facilidade gerando excelentes trabalhos e oportunidades.
Pode até ser no formato que os cursos eram inicialmente: 2 anos de formação geral e + 2 anos de específicas na área de interesse.
Porém, sem perder o diálogo, a referência e o foco no Design como sendo a matriz, a mãe de todas as áreas que compõem o Design.
Não creio que haja uma divisão dentro do Design.
O que existe na realidade é o desconhecimento de uma área sobre as outras. As pessoas entram em seus cursos e ficam ali, fechado naquele mundico crendo que não existe mais nada além daquilo, que um profissional de outra área do design não pode ajuda-lo, etc etc etc
É essa visão tacanha e pobre que temos de lutar contra.
abraços
;-)