Sobre tendências, revistas, cópias e o “eu” do cliente

Hoje acompanhando meu facebook vi uma postagem da Maria Alice Miller com o link para um texto da Danuza Leão. Fazia tempo que não lia nada dela e, como sempre gostei, fui ver do que se tratava. E não é que ela continua sempre acertando na “boca do estômago” de uns e outros por aí???

Pois bem pessoal, segue então o texto. Sugiro que leiam duas vezes:
1) leitura normal
2) transfira tudo isso para as nossas áreas. Ex: quando ela fala do sapato, imaginem no lugar aquele pendente “da moda” ou outras coisas comuns de vermos por aí.
Volto na sequência.

“Danuza Leão tem razão. Olha o texto que escreveu…
Há muito, muito tempo, bacana era ser nobre; começava pela rainha, depois vinham as duquesas, condessas, marquesas etc. O tempo passou, cabeças foram cortadas, e os novos ricos foram os herdeiros, digamos assim, do que era a elite da época.
O tempo continuou passando; vieram os grandes industriais, os empresários, os donos de supermercado, os bicheiros, os marqueteiros, a indústria da moda, até mesmo os políticos, houve os yuppies e surgiu uma curiosa casta nova: a das celebridades. Desse grupo fazem parte atores de televisão, personagens da vida artística, jogadores de futebol, pagodeiros, sertanejos etc., e começaram a pipocar dezenas de revistas cujo objetivo é mostrar a intimidade dessas celebridades, contando os detalhes da vida (ou morte) de princesa Diana, Madonna ou Michael Jackson.
Quanto mais íntimos e escabrosos, melhor. Nesse admirável mundo novo, a moda tem uma enorme importância, e nesse quesito o que conta -mais que a elegância e o bom gosto- é saber de que grife é cada peça que está sendo usada; quanto custou cada uma todos sabem, já que são tão cultos. Um pequeno detalhe: quando duas celebridades se encontram, mesmo que nunca tenham se visto, se cumprimentam efusivamente.
Antes, muito antes, era diferente: um nobre, mesmo pobre, era respeitado por suas origens, pelo que teria sido feito por algum de seus antepassados. Mais tarde, os homens de negócios eram admirados por sua inteligência, sua capacidade em construir alguma coisa importante na vida. Agora as pessoas são definidas por símbolos, a saber: onde moram, a marca do sapato, da saia, da jaqueta, da bolsa, do relógio, do carro, se têm ou não Blackberry, para onde costumam viajar, em que hotéis se hospedam, a marca de suas malas, que restaurantes frequentam, aqui e quando viajam. Ninguém tem coragem de arriscar férias em um lugar novo, um restaurante que não é famoso, usar uma bolsa sem uma grife facilmente identificável.
Mas quem responder de maneira certa às tais indagações poderá, talvez, ser aceito na turma das celebridades. Acordei hoje falando muito do passado; acontece, vou continuar. Houve um tempo em que mulheres do maior bom gosto apareciam com uma bonita saia e uma amiga dizia “que linda, onde você comprou?”.
Hoje, isso não existe mais, porque as pessoas -aquelas- não usarão jamais uma única peça de roupa que não seja grifada. Outro dia fui a um jantar em que havia umas 40 pessoas, sendo 20 mulheres. Dessas 20, dez usavam sapatos Louboutin, aquele que tem a sola vermelha. Preço do par, em São Paulo: R$ 10 mil. Estavam todas iguais, claro, mas o pior é ser avaliada e aceita pela cor da sola do sapato; demais, para minha cabeça.
O prazer -e o chique, a prova da capacidade de improvisar- era botar uma roupa bonita comprada em um mercado qualquer de Belém, Marrakech ou Istambul, e ser diferente. Hoje é preciso mostrar que folheou a revista que tem a informação do que está na moda e que tem dinheiro para comprar. E os jogadores de futebol e os pagodeiros, que não aprenderam o que é bonito na infância, porque eram pobres, nem na vida adulta, porque não deu tempo, olham as revistas, entram no Armani e fazem a festa, já que são também celebridades.
Não há mais lugar para a imaginação, a criatividade, para uma sacada de última hora, que faz com que uma determinada mulher seja a mais especial da noite. Eu não frequento este mundo, mas de vez em quando esbarro nele sem querer, e é difícil.
Um mundo de clichês; mas como tudo passa, estou esperando a hora de acordar e pensar que essa época não passou de um pesadelo”.
Fonte: http://blogs.estadao.com.br/chris-mello/2010/06/10/danuza-leao-tem-razao-olha-o-texto-que-escreveu/

Voltei.

Então, perceberam as semelhanças disso tudo com a nossa atuação profissional junto à alguns clientes? Também junto à algumas revistas tidas como referência ou “a melhor ou maior” no assunto? Perceberam a futilidade das tendências eliminando a autenticidade e identidade individual?

Já escrevi aqui sobre tendências e aqui e aqui e aqui sobre a péssima influência que estas revistas fazem junto ao mercado.

Repito: arquitetura e design não são meras roupas que podem ser trocadas baseadas em modismos e depois descartadas.

Ambas áreas devem considerar a identidade do cliente e este, por sua vez e em sua grande maioria, deve ter consciência que o projeto vai permanecer ali por um bom tempo devendo acolhe-lo, fazê-lo sentir-se confortável e num ambiente que reflita a sua personalidade, onde ele se identifique.

Não à toa que grandes redes hoteleiras estão investindo pesadamente em modelos (reformas) diferenciados de seus quartos para atender as características individuais de cada cliente. Cada quarto tem um projeto diferenciado, com estilo próprio (e até autores diferentes para cada um deles) e somente é indicado ao cliente após uma breve entrevista para perceber o estilo do mesmo. Isso se deve à grande reclamação dos clientes com relação aos hotéis: ambientes frios, despersonalizados e impessoais onde eles não conseguem se sentir “em casa”. Daí que tantas pessoas odeiam permanecer em hoteis por muito tempo. (eu mesmo não suporto mais que 2 dias).

Assim, ver nas revistas “da moda” as tendências ou fotos das casas das celebridades e querer trazê-las para dentro de nosso lar (ou de nossos clientes) é o pior caminho a ser trilhado pois certamente resultará num fracasso projetual em pouco tempo – assim que o usuário começar a conviver diariamente com aquele amontoado de coisas estranhas.

Devemos considerar que, quando uma celebridade (leia-se cheia da $$) mostra a sua casa nas revistas, ela contratou um profissional que projetou baseado no que ela é na verdade – dado que estas são narcisistas o suficiente para não copiar dos outros e sim impor o seu estilo – e não em cópias disso ou daquilo. Porém a mídia irresponsável (ah essa maldita novamente) acaba por vender o “eu” da celebridade como produto para o consumidor que, ávido por “estar na moda”, compra-os prontamente e só percebe o erro, depois de um tempo (ou pouco tempo) de uso e vê que aquele corpo estranho está mais atrapalhando e incomodando que ajudando.

Portanto, clientes e, especialmente, profissionais é hora de dar um basta nisso tudo.

Não é porque o lustre é da marca tal e custou uma fortuna que ele proporciona a melhor ou mais adequada luz.

Não é porque o sofá da Galisteu é lindo que ele irá atender às suas necessidades ergonômicas.

Não é porque fulano diz que a cor da moda é tal que esta irá refletir ou influir positivamente em seu organismo.

Isso me faz lembrar de uma vez quando eu lecionava em Curitiba quando, no intervalo, rolava na rádio da escola músicas do “É o Tcham”. Desci no pátio e vi uma multidão repetindo a coreografia com perfeição. Quando acabou comecei a bater palmas e diaer: “Parabéns!!! Parecem um bando de cachorrinhos poodles adestrados. Tosos fazendo a mesma coisa. Pula. Se faz de morto. Dá a patinha.” E soltei uma forte gargalhada.

Depois, em sala de aulas, alguns (poucos mas corajosos alunos) me questionaram sobre aquilo. Expliquei que a indústria de massa estava eliminando a identidade individual, formando um bando de seres cada vez mais parecidos uns com os outros onde até mesmo o simples ato de pensar diferente (ou ser) era motivo de bullying. Questionei do porque de quando se ouvia uma das musicas deles a obrigação (aceita socialmente) era ter de dançar exatamente como o grupo e não se podia mais “dançar como eu gosto ou como eu quero”. Eles conseguiram entender o recado e para a nossa alegria (professores e administradores da escola) percebemos grandes mudanças em vários alunos, até mesmo o aparecimento de novos (até então adormecidos) líderes.

Então, vamos parar de palhaçada???

Sejamos sensatos?

Sejamos nós mesmos e vamos respeitar o “eu real” do cliente e não o que ele acha que é ele apenas por estar na moda?

Se você se acha incapaz de fazer o cliente perceber isso, mude de profissão ou volte para a academia pois certamente esta parte de sua formação foi bastante falha.

5 comentários sobre “Sobre tendências, revistas, cópias e o “eu” do cliente

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