Design de Ambientes – isso também é Design.

É bastante comum a confusão entre o que é arquiteto, decorador, designer de interiores e designer de ambientes. Pela pouca produção teórica específica na área que mostra-se incipiente e também por poucos profissionais dispensarem alguns momentos para pensar a profissão por estarem sempre enfiados em projetos e mais projetos, vivemos em meio a este turbilhão de desinformação. Precisamos pensar a nossa profissão de maneira coerente, séria e ética. É isso que proponho com este texto.

Há anos cobramos da ABD uma definição que, pelas praticas desta associação, constata-se uma forte resistência a esta definição correta. Buscam então impor a desinformação, sem qualquer possibilidade de diálogo.

Já escrevi em meu blog “Design: Ações e Críticas” sobre as diferenças básicas neste post e também neste outro. Mas vou ser mais profundo, crítico e prático sobre o assunto.

Atenção: Nem de longe pretendo aqui desmerecer ou desqualificar a arquitetura, que fique muito claro isso. Quem entender assim o fará por pura deturpação de meu texto, baseado em sua visão corporativista. Então muito cuidado com a interpretação do conteúdo deste texto. Vale lembrar que:

“Eu sou responsável pelo que escrevo, penso e falo. Nunca pelo que você entende de maneira distorcida”.

Existe um ditado no meio profissional que afirma:

“Todo arquiteto é designer e nenhum designer é arquiteto”.

Calma lá, as coisas não são bem assim. Não podemos admitir que “todo arquiteto é designer” de forma leviana como vem sendo pregado. As coisas não são bem assim. Então vamos colocar os pingos nos “Is”.

Essa linha de raciocínio vem dos catedráticos que impõem leis por eles ditadas ou replicadas como se fossem verdades absolutas e que ninguém, nunca, deve ousar questioná-las. Porque é Vitruvius (sem bem que este coitado é mais distorcido que Marx nas interpretações e releituras), Gropius ou qualquer outro “deus” da arquitetura, é inadmissível refutar e muito menos ousar tentar derrubar qualquer uma de suas teorias. Teorias estas que são repassadas de geração em geração da mesma forma como um cabresto. Devemos aceitar que nos enfiem goela abaixo, mesmo que forçado, tudo isso sem questionar absolutamente nada. Porém vale lembrar que eles são meros humanos, pensantes, como eu, você e qualquer outro. Não foram, não são e tampouco serão deuses. As praticas, formas de pensar deles relacionam-se com o seu momento, o seu tempo, o seu contexto histórico, com as suas necessidades. Se vivessem hoje, teriam certamente outra forma de pensar. E nas academias, de um modo geral, teorias não devem ser contestadas.

O equivoco hermenêutico é desconsiderar o tempo e o espaço em que se insere um determinado autor. Só há espaço para pensar o novo se for relacionado a tecnologias.

Em primeiro lugar, a academia de arquitetura e os profissionais devem parar de colocar que tudo, desde a criação é arquitetura. Isso é uma mentira debochada e leviana. Ah, o homem de neanderthal, numa caçada encontra-se repentinamente em meio a uma tempestade e não tem onde abrigar-se. Pega então três galhos, joga umas folhas por cima e voilá: é arquitetura!

Não mesmo. É uma barraca e arquitetos não projetam barracas nesse sentido. Isso é produto. Arquitetura é fixa, é estrutura, é construção. Não a carregamos nas costas para onde vamos.

Portanto, nem todo arquiteto é designer. Alguns – muito poucos – podem vir a serem sim. Mas apenas por receber seu diploma de arquitetura não. Nenhum arquiteto sai da universidade como designer, com conhecimentos específicos sobre a área que o enquadrem como Designer. Ter tido em sua matriz curricular disciplinas como História do Design ou desenho e detalhamento de móveis não o tornam designers. Design é tão complexo em sua especificidade quanto a arquitetura, tanto que os cursos são tão longos quanto os de arquitetura. Apenas aqueles que buscam especializar-se e atuar especificamente com Design podem ser reconhecidos como tal. O restante, são arquitetos.

Em segundo lugar, ainda corroborando o parágrafo acima e apenas para lançar um breve exemplo disso, o desenho e detalhamento de móveis ensinado nas faculdades de arquitetura nem de longe se aproxima da mesma disciplina ensinada nos cursos de Design. Na arquitetura ficam basicamente na forma, função e estética (não necessariamente nessa ordem). Os desenhos são geralmente um esboço do que foi idealizado. As soluções técnicas construtivas ficam a cargo dos marceneiros que definirão e solucionarão a resistência dos materiais, ferragens (pregos, parafusos, dobradiças, corrediças, etc), processos de montagem. Nenhum arquiteto sai da universidade consciente do que é um desenho industrial e capaz de fazê-lo de tal maneira que possa ser inserido na central de controle de uma linha de produção para que o produto saia na última máquina pronto, sem falhas ou interrupções. Nem mesmo os ciclos do processo produtivo e de vida do produto são ensinados. Portanto, não é Design.

Os arquitetos de formação são na verdade arquitetos-decoradores, nunca arquitetos designers de interiores por estas e várias outras situações que poderia elencar neste post. Mas ainda vale lembrar que sim, Decoração nasceu dentro da arquitetura, mas em seu início não era feita por arquitetos. Ou será que o primeiro neanderthal que resolveu usar uma caverna como abrigo ocupando seus espaços tinha feito uma faculdade de arquitetura? Sabemos piamente que não. Então porque este processo não pode também ser admitido como o princípio do Design de Ambientes? Porque não se pode questionar isso? Devemos nos lembrar também que dos primeiros arquitetos reais até bem pouco tempo atrás, eles cuidavam da estrutura, da edificação, da construção, de seu impacto no entorno, das cidades. A parte interna, decorativa, geralmente era feita por pessoas de bom gosto. Os mobiliários, projetados e confeccionados por marceneiros (artesãos). E nenhum deles eram arquitetos.

Mas prefiro aproveitar o espaço do presente texto para esclarecer corretamente porque Design de Ambientes tem sua raiz no Design e não na Arquitetura.

Como não temos a intenção de projetar e tampouco construir edificações e tampouco este é o nosso foco, não temos o menor interesse em sermos reconhecidos como arquitetos. Portanto, não cabe a acusação de que tentamos invadir a arquitetura.

Já a idéia de que Design de Interiores (doravante, Designer de Ambientes ou Design de Ambientes) é uma “evolução” da decoração – inclusive a ABD prega isso como regra – precisa ser desmentida pois trata-se de uma falácia maldosa e sem sustentação teórica alguma.

Nem de longe aqueles antigos cursos de curta duração (poucos dias) tem algo a ver com Design de Ambientes. Na verdade, a Decoração é apenas uma pequena parte dentro do Design de Ambientes e da Arquitetura. Como já expliquei aqui em meu blog, Decoração é o ato de coordenar panejamentos, revestimentos e acessórios com a intenção de embelezar os interiores. Não deve ser negado o fato de que estes cursos antigos eram freqüentados essencialmente por madames que buscavam conhecimentos para melhorar esteticamente as suas próprias residências ou para ocupar o seu tempo ocioso. Poucos estudavam para aprender uma nova profissão e trilhar este caminho. Tanto que os decoradores – e nós também – sofrem até hoje com o estigma de que “isso é coisa de madame que não sabe o que fazer na sua vida” ou “isso é meramente um hobby e não uma profissão”.

Também devo ressaltar a questão da especificação: decoradores especificam móveis prontos e no máximo lançam escopos de algo mais personalizado, mas não fazem a menor idéia de como desenvolver o projeto de um móvel e desconhecem os processos envolvidos. Sempre são peças únicas e/ou adaptadas de outros projetos. Outros detalhes que deixam claro essa diferença: nos cursos de decoração não eram ensinados projetos hidráulicos, elétricos, sistemas prediais, ergonomia, segurança entre vários outros elementos que a Arquitetura e o Design de Ambientes utilizam em seus projetos. Também vale ressaltar que o processo projetual na Decoração coloca a estética/estilo/bem-estar antes de elementos muito mais importantes como os estudos de levantamento, detecção e soluções para o problema, função, formas e meios de produção entre outros.

Portanto não, Decoração não é o mesmo que Design de Ambientes. É apenas uma pequena parte dele e da Arquitetura.

Chegamos finalmente ao Design de Ambientes.

Eu me recuso a utilizar o termo Interiores e uso Ambientes. Explico o porquê:

O termo “Interiores” vem do nascimento desta profissão e que, infelizmente, foi elaborada e pensada nas universidades essencialmente por arquitetos. Especialmente aqui no Brasil. poucos foram os designers – das diversas áreas – que tiveram acesso a esse processo de pensar a profissão. Tanto é verdade que até hoje a maioria dos docentes dos cursos são arquitetos, incluindo disciplinas específicas em Design onde, também a maioria, não tem qualquer especialização ou conhecimentos específicos no assunto. Isso atrapalha e engessa desde o pensar até a definição e evolução para chegar à informação correta, à acreditação e visibilidade da profissão. Muitos debocham de seus alunos com relação à escolha da profissão denegrindo-a. Outros tantos estão ali não por amor à educação mais por interesses pecuniários do que propriamente reconhecer o valor do profissional que está sendo formado dentro de um currículo. Estão distantes do que propõe a proposta curricular do curso onde são docentes.

Longe de desmerecer a atuação docente dos arquitetos dentro dos cursos de Design de Interiores/Ambientes, o correto, coerente e ético é que eles permaneçam no corpo docente, mas apenas em disciplinas de sua alçada: sistemas prediais, sistemas estruturais, desenho arquitetônico, história da arquitetura, restauração, etc. Deixando a parte relativa ao Design, com docentes da área do Design. Até mesmo iluminação é interessante deixar nas mãos de um designer afinal, já tem especialistas no assunto no mercado.

Isso também tem a ver com as distorções detectadas em praticamente todos os cursos de Design de Interiores e a própria nomenclatura que leva-me a acreditar que essa escolha foi proposital. É comum alunos ouvirem de seus professores arquitetos que o curso é de “interiores”, portanto nada que estiver para fora das quatro paredes (exterior) podemos mexer.

Se um cliente contrata um designer e o ambiente é composto por um living com uma varanda anexa, insistem que o designer não pode atuar na varanda por ser um ambiente externo. No entanto não reclamam de um artista plástico faz uma intervenção numa fachada.

Incoerente isso.

Esse tipo de atitude levanta muralhas psicológicas no acadêmico que permanecerão durante sua vida profissional cerceando a sua capacidade criativa e conseqüente produção. E são impostas como leis irrefutáveis.

Outro ponto importante é que os arquitetos lidam essencialmente com arquitetura e tem seu foco mercadológico nessa área. Com isso, as disciplinas de projetos ficam na maioria das vezes focadas apenas em interiores residenciais e comerciais. Esquecem-se, no entanto, que existem muitos outros segmentos em que o designer de ambientes pode e deve atuar. Na verdade reafirmam veementemente que a atuação resume-se aos projetos de interiores. Percebe-se claramente que a exigência na elaboração dos projetos impõe tendências, peças de design assinado ou os clássicos em suma, um arranjo de coisas prontas, bonitas e organizadas que são mais decoração que design.

Afirmo isso pois é inadmissível um paradigma que enjaula e engessa todo o conhecimento de um designer de ambientes – seja por corporativismo ou qual motivo for – entre quatro paredes permaneça intocável, como se fosse um baluarte santificado.

Se aprendemos a projetar um banco para uma residência, porque não podemos projetá-lo para uma praça? Se aprendemos paisagismo, porque aprisionar o nosso conhecimento em jardins de inverno ou vasos no interior? Só porque o nome do curso é Interiores?

Creio que seja por causa do desconhecimento que estes tem sobre o que é DESIGN. Muitos acham que sabem o que é Design quando na verdade tem apenas uma vaga idéia, e bastante distorcida. E vemos constantemente na mídia provas disso. Outros tantos o fazem pela visão errada de que estamos invadindo áreas o que também é uma falácia em que acreditam. Se formos por esse caminho, arquitetos invadem a área da engenharia civil e aí como fica?

Podem também alegar os Designers de Produto que estamos invadindo a área deles? Sim em partes, pois o projeto de um móvel feito por um profissional de produto tem um estilo seriado e industrial ou seja, comercial. O de ambientes faz o mesmo projeto de produto, porém consegue captar necessidades, peculiaridades e personalidade das pessoas e adaptá-las na seriação de maneira que possa ser também vendável e rentável respeitando igualmente todo o ciclo de produção e vida do produto final. E não, afinal nossa raiz é a mesma: o Design.

Não somos e tampouco queremos invadir. Nosso foco é outro completamente diferente.

Porém não podemos deixar de contribuir, somar.

Na verdade esta é a meta de todas as profissões: contribuir para a construção de um mundo melhor, mais justo, mais seguro, mais humano, mais viável, mais prático, mais belo, mais ético. E nenhuma, absolutamente nenhuma profissão é capaz de realizar isso sozinha. Todas dependem direta ou indiretamente umas das outras.

E o Design está em tudo, em todos os lugares, em todas as áreas e tem muito a contribuir com todas as outras profissões e a sociedade. E estamos aqui exatamente para isso.

E, antes de sermos designers de ambientes, devemos nos lembrar que nossa raiz está no Design.

Portanto, passemos a utilizar a nomenclatura mais adequada: Design de Ambientes como profissão; designer de ambientes como profissional.

4 comentários sobre “Design de Ambientes – isso também é Design.

  1. Pingback: Em resposta ao comentário da Sil « Design: Ações e Críticas

  2. Paulo Oliveira, como eu poderia /de comentar contigo o texto que voce elaborou ? Pôxa, voce, realmente é uma pessoa muito transparente, mutíssimo bem informada e que sabe ordenar de maneira inteligentissima e clara suas teorias intrigantes. Parabéns, cara. Voce com o texto que ora comento, “desmascarou”, com certeza, aqueles profissionais que ostentam um queixo levantado demais pros próprios recursos que alegam reter em detrimento da pequenez de suas atitudes na prática, no dia-a-dia, que exige do profissional que reconheça sua condição, antes de qualquer coisa, de estar preso ao mister de pertencer à classe dos seres humanos, principalmente nestes tristes tropicos, onde o mais forte deveria ser o estandarte do menos qualificado, entretanto, transforma-se no seu senhor ou manipulador .

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