Design de Ambientes – Breve histórico, definições e considerações

Paula Glória Barbosa

Profª MSc da Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais

Considerações sobre o termo design

A palavra design tem ambiguidade em sua etimologia. Designare, do latim, origem mais remota do termo, significa, simultaneamente, designar (conceber, projetar, atribuir) e desenhar (registrar, configurar, formar) (CARDOSO, 2008)[1]. Segundo Schneider (2010, p.195)[2], em 1588, o termo foi mencionado pela primeira vez no Oxford English Dictionary, definido “como um plano elaborado por uma pessoa ou um esquema de algo a ser realizado, além de um primeiro esboço para uma obra de arte (ou) um objeto de arte aplicada, necessário para a realização de uma obra”.

Do inglês, a palavra foi apropriada pelo português, mantendo a ideia de concepção, intenção, desígnio, projeto (referência ao abstrato) e configuração, arranjo, estrutura, desenho, produto de uma concepção (âmbito concreto) (HOUAISS, 2013)[3]. O design, na sua acepção de substantivo que determina uma profissão ou área do conhecimento, pode ser entendido, conforme apresenta Cardoso (2008)[4], como uma atividade destinada a atribuir forma material a conceitos intelectuais. Moura (2005)[5], em seus estudos, discute o design a partir do significado de desenho, projeto e desígnio, três sentidos que, inter-relacionados, dizem da intenção de levar algo da não presença à presença. Nesse processo, o projeto, visualizado principalmente por desenhos, configura-se como o meio pelo qual é possível levar uma ideia do imaterial ao tangível, possibilitando a concretização da intenção.

Como organização internacional dedicada à discussão e ao reconhecimento do design e sua comunidade, o International Council of Societies of Industrial Design (Icsid) apresenta, desde a sua fundação em 1957, diferentes definições para design que acompanham o seu processo evolutivo. A última conceituação de design publicada pelo Icsid contextualiza algumas das principais temáticas presentes no debate contemporâneo da disciplina, como as novas tecnologias e seus impactos socioculturais e ambientais:

Design é uma atividade criativa na qual o objetivo é estabelecer as qualidades multifacetadas dos objetos, processos, serviços e seus sistemas, compreendendo todo o ciclo de vida. Portanto, design é um fator central de inventiva humanização das tecnologias e fator crucial de trocas culturais e econômicas. (ICSID, 2013).[6]

Cabe, portanto, ao designer, o papel de interpretar e relacionar, de forma holística, os múltiplos aspectos dos objetos, processos, serviços e seus sistemas com o contexto de projeto, visando o equilíbrio entre a inovação tecnológica e o ecologicamente correto, o economicamente viável, o socialmente justo e o culturalmente aceitável. Essas interpretação e relação são, em suas essências, complexas, exigindo do designer uma abordagem criativa e multidisciplinar na busca por soluções pertinentes, viáveis e eficientes. Ressalta-se, nesse processo, o usuário final como centro das atenções do projeto.

Nessa definição, percebe-se, também, a expansão do campo de atuação do design, antes centrado em produtos industriais e agora capaz de abarcar objetos, processos e serviços, a partir de uma visão integral do sistema que os envolve, se expandindo, pois, em especialidades como o design de ambientes, o design gráfico, o design de serviços, o design de moda e o design de produtos.

Para Schneider (2010)[7], o design, de um modo geral, expressa-se por meio de suas três funções: a prático-técnica, a estética e a simbólica. A primeira, conhecida também como funcional, refere-se às características intrínsecas do objeto, como durabilidade, confiabilidade, qualidade técnica, segurança e manuseabilidade, ou seja, aos aspectos que podem ser avaliados e mensurados de forma racional pela percepção humana. A função estética, ao contrário, é emocional e subjetiva, tratando do aspecto formal do objeto a partir da composição de cores, materiais, formas e superfícies. Essa composição dá ao objeto a conotação de signo, tornando-o “legível” e dando indicações visuais para o seu uso. Por fim, a função simbólica diz respeito ao significado do objeto, codificado e transmitido pelo proprietário às pessoas de seu convívio social. Refere-se, portanto, a estilos e a filosofias de vida. Assim, os objetos identificam personalidades e se configuram como uma forma de expressão decodificável, possibilitando integração social, diferenciações e classificações.

Os objetos de design refletem, portanto, formas de vida e de produção de uma sociedade, de uma época. Segundo Shcneider (2010, p.201)[8], “o projeto de objetos de design é tanto uma prática social quanto a reflexão sobre essa prática”. Tal discussão corrobora com a ideia do design enquanto “fator crucial de trocas culturais e econômicas”, conforme exposto na ultima definição de design elaborada pela Icsid.

Em conclusão, o design pode ser entendido como uma atividade capaz de solucionar diversos problemas da sociedade contemporânea, marcada, principalmente, pelo incentivo à inovação, pela diversidade de materiais e tecnologias, pelo processo de globalização e pela necessidade do consumo sustentável. Nesse cenário, o designer se posiciona como um profissional habilitado a responder, a partir de uma perspectiva sistêmica de gestão da complexidade, pelo desenvolvimento de projetos centrados nos usuários, sob a perspectiva da abertura à pesquisa, do diálogo interdisciplinar, do apoio à diversidade cultural e da capacidade de articular inovação e sustentabilidade, posicionando-se como uma disciplina capaz de moldar o ambiente humano e influenciar os padrões de vida em sociedade (Cardoso, 2012; Krucken, 2008; Moraes, 2008)[9].

Da Decoração ao Design de Ambientes: um brevíssimo histórico

O contexto industrial das décadas de 1940 e 1950 – a profusão de artefatos, de móveis e de eletrodomésticos disponíveis para o consumo – caracterizou, segundo Santos (2009)[10], os hábitos da vida moderna e influenciou, diretamente, a configuração dos espaços habitados, bem como as relações que ali eram estabelecidas, evidenciando extrema preocupação com a aparência e a praticidade.

Organizar os espaços interiores do cotidiano para usufruto das vantagens da cidade moderna e das novidades industriais era, mais do que um desejo, uma necessidade. Embora houvesse recursos alternativos para o aprendizado sobre as tendências de composição dos interiores – como reportagens e propagandas veiculadas em revistas especializadas no assunto – na década de 1950 a presença de um profissional que considerasse, em projeto, aspectos técnicos e estéticos da composição se tornou mais requisitada. Surgiu, assim, a demanda por um profissional que soubesse planejar os interiores domésticos e comerciais, de modo que o antigo de então recebesse, harmônica e funcionalmente, o novo daquele tempo. (MOREIRA, 2006)[11].

De início, dada a novidade da ocupação cuja essência e demanda passavam a se desenhar, tal atividade era desenvolvida substancialmente por arquitetos, artistas e pessoas de “bom gosto”, obviamente não por quem se dedicasse profissional e exclusivamente à tarefa, então denominada Decoração.

O significado do termo decoração está intimamente associado à arte de ornamentar, adornar, embelezar (HOUAISS, 2012)[12]. No entanto, no contexto da vida moderna, além da preocupação com a aparência, existia a necessidade de se planejar o uso e a ocupação dos espaços habitados da cidade, visando facilitar a prática das atividades cotidianas em virtude da maneira cada vez mais dinâmica de viver.

Em Belo Horizonte, visando à capacitação profissional de alunos interessados nessa área inaugurou-se, em 1957[13], a Escola de Artes Plásticas (ESAP), subordinada à já existente Universidade Mineira de Arte (UMA). A ESAP entrou em funcionamento oferecendo quatro cursos inéditos na época, estruturados em quatro áreas distintas, dentre elas a Decoração, inicialmente na forma de curso livre. Em 1963[14], foi instituída a Fundação Universidade Mineira de Arte (FUMA), que passou a congregar a ESAP.

Em 1964[15], foi concedido reconhecimento à ESAP/FUMA por parte do governo federal, garantindo o título de bacharel em Decoração aos alunos graduados pela instituição. No ano de 1994[16], a FUMA foi extinta, seu corpo docente e administrativo foi transferido à recém-criada[17] Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e, posteriormente, a ESAP passou a ser denominada Escola de Design (ED).

Para obter o título de decorador era necessário cursar disciplinas práticas e teóricas por um período mínimo de quatro anos. O objetivo desse curso era, conforme apresenta Moreira (2006, p.67)[18], “formar profissionais qualificados para compreender as demandas do público alvo, seu contexto social e cultural, entender o espaço, suas funções e possibilidades, propor soluções adequadas, considerando aspectos históricos e artísticos, e ainda, representar graficamente suas ideias”.

A sociedade, por sua vez, experimentou grandes mudanças desde a década de 1950. A revolução tecnológica, que se iniciou na segunda metade do século XX e perdura até os dias de hoje, implicou maior velocidade no ritmo de vida das pessoas, já acelerado desde a revolução industrial. A Decoração, então, precisou ser adaptada a esse novo cenário. Fez-se necessário, portanto, a compreensão da abrangência da profissão, desvinculado-a da simples ideias de ornamentação e organização.

Diante desse contexto, desde a inauguração do curso de Decoração o respectivo colegiado buscou adequá-lo às necessidades da sociedade e do mercado de trabalho, alterando diversas vezes a matriz curricular e o conteúdo das disciplinas de forma a acompanhar as inovações ocorridas nos campos de atuação do decorador (ESCOLA DE DESIGN, 2003)[19].

Por meio de esforços empreendidos desde 1994 pela necessidade de reformulação geral do conteúdo das disciplinas, implantou-se, em 2004, um novo currículo para o curso de Decoração, que passou a se chamar Design de Ambientes.

Dessa forma, o então curso de Decoração da ED/UEMG modificou-se para adequação à ideia vigente de design, pautada em uma metodologia de desenvolvimento de projeto com foco no usuário, no incentivo à pesquisa, no trato da inserção das novas tecnologias no cotidiano e no compromisso com a inovação e a sustentabilidade, se propondo a fazer design para ambientes.

Design de ambientes é, portanto, uma especialidade do design, responsável por identificar e analisar problemas oriundos das relações entre o individuo e o espaço que habita, propondo soluções que promovam bem estar e qualidade de vida aos usuários.

Considerações sobre o Design de Ambientes

O design de ambientes pode ser entendido como uma atividade criativa e de caráter multidisciplinar dedicada ao planejamento da ocupação e do uso dos espaços habitados – sejam internos ou externos; residenciais, empresariais, institucionais, industriais ou efêmeros; arquitetônicos ou não arquitetônicos –, tendo o usuário como foco de projeto e considerando os aspectos funcionais, estéticos e simbólicos do contexto sócio-econômico-cultural em que atua, de modo a resultar em ambientes confortáveis e eficientes às demandas instituídas, contribuindo para o bem estar e a qualidade de vida dos seus usuários.

O planejamento de um ambiente envolve, basicamente – e a partir da articulação entre os referidos aspectos funcional, estético e simbólico –, a elaboração do layout; o estudo e a definição das cores, formas, texturas, mobiliários, equipamentos e obras de arte que compõe o ambiente; a especificação dos materiais para revestimentos de pisos, paredes, divisórias, forros, etc.; e a elaboração das estratégicas de conforto ambiental, como a configuração da iluminação e dos sistemas de condicionamento de ar. Deve, também, atender às exigências normativas pertinentes e dar atenção a questões como sustentabilidade e inovação. Cabe, no ponto, ressaltar a limitação de atuação do designer de ambientes quanto às alterações estruturais construtivas, hidrossanitárias e elétricas.

A ocupação de um ambiente está relacionada ao sentimento de apropriação, em que o projeto tem, intencionalmente, o objetivo de estimular determinada sensação com o intuito de despertar, no usuário, o sentimento de identificação, de posse, de pertencimento àquele lugar. O uso, por outro lado, refere-se à utilidade prática do ambiente de acordo com a sua natureza, como dormir, estudar, comer, conversar, entre outras ações possíveis a partir da relação do indivíduo com o espaço e entre os próprios indivíduos envoltos pelo ambiente.

A diferença conceitual entre interno e externo se dá pela existência (no caso do primeiro), ou não (em se tratando do segundo), de uma estrutura que circunde o ambiente em questão. Exemplos de ambientes internos são o interior de uma embarcação ou de um trem, uma vitrine de loja de roupa, um cômodo de dormir, uma sala de aula, uma clínica odontológica ou o palco de um teatro. Para os ambientes externos, há a possibilidade de se trabalhar, dentre outros, o paisagismo de uma pousada, a configuração de uma exposição ao ar livre ou um show musical em uma praça. A partir desses exemplos é possível perceber a diversidade de espaços possíveis para interferência do designer de ambientes, sejam esses arquitetônicos ou não, para as funções residencial, empresarial, institucional, industrial ou efêmera.

Assim, o designer de ambientes se posiciona, na atualidade, como um profissional capacitado tecnicamente e hábil na compreensão das demandas contemporâneas, na interpretação dos modos de vida e na proposição de soluções que promovam conforto, bem-estar e qualidade de vida aos usuários.

A diferença que há entre o trabalho do designer de ambientes e de outros profissionais ligados ao planejamento e à configuração dos espaços, como os arquitetos, é a forma como os designers analisam as necessidades, as experiências e os desejos dos usuários; pesquisam as condicionantes técnico-práticas, estéticas e simbólicas do contexto projetual; interpretam os modos de vida e as respectivas possibilidades de adequação ao ambiente em questão; e propõem soluções pertinentes, viáveis e singulares, posicionando-se como um profissional especialista no planejamento e na configuração dos ambientes para vivência humana.


[1] CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do Design. 3.ed. São Paulo: Edgar Blücher, 2008.

[2] SCHNEIDER, Beat. Design – Uma Introdução: o Design no contexto social, cultural e econômico. Trad.: Sonali Bertuol, George Bernard Sperber. São Paulo: Editora Blücher, 2010.

[3] HOUAISS. Grande Dicionário da Língua Portuguesa. Design. Disponível em:

<http:// http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=design&gt;. Acessado em: 09 de Setembro de 2013.

[4] Idem nota 1.

[5] MOURA, C. O desígnio do design. In: Livro de Actas – 4º SOPCOM | Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, Aveiro, 2005, p. 73-81.

[6] ICSID. International Council of Societies of Industrial Design. About ICSID. Disponível em:

<http://www.icsid.org/about/about.htm&gt;. Acessado em: 26 maio 2013. Traduzido pela autora. Texto original: “Design is a creative activity whose aim is to establish the multi-faceted qualities of objects, processes, services and their systems in whole life cycles. Therefore, design is the central factor of innovative humanisation of technologies and the crucial factor of cultural and economic exchange”.

[7] Idem nota 2.

[8] Idem nota 2.

[9] CARDOSO, Rafael. Design para um Mundo Complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

KRUCKEN, Lia. Competências para o design na sociedade contemporânea. Caderno de Estudos Avançados: Design e Transversalidade, Caderno 2, v. 1. Belo Horizonte: Santa Clara: EdUEMG, 2008. P. 23-32.

MORAES, Dijon de. Design e Complexidade. Caderno de Estudos Avançados: Design e Transversalidade, Caderno 2, v. 1. Belo Horizonte: Santa Clara: EdUEMG, 2008, p. 07-22.

[10] SANTOS, Edgar Souza. A caminho do lar – a narrativa dos anúncios de eletrodomésticos. 2009. 207 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, 2009.

[11] MOREIRA, Samantha. C. de O. Interiores de Casas Residenciais em Belo Horizonte: a década de 1950. 2006. 137f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.

[12] HOUAISS. Grande Dicionário da Língua Portuguesa. Decoração. Disponível em:

<http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=decora%25C3%25A7%25C3%25A3o&gt;. Acessado em: 21 de Setembro de 2013.

[13] Escola de Design/UEMG. História. Disponível em: < http://www.ed.uemg.br/sobre-ed/historia&gt;. Acessado em 09 de Setembro de 2013.

[14] Lei Estadual nº 3.065, de 30 de dezembro de 1963. Disponível em: Diário do Executivo. 31/12/1963. p. 3_col5.

[15] Decreto nº 55.068, de 24 de novembro de 1964. Disponível em: Diário Oficial da União – Seção 1 – 16/2/1965, Página 1881.

[16] Decreto Estadual nº 36.639, de 10 de janeiro de 1995. Disponível em: Diário do Executivo. 11/01/1995. p. 1_col2.

[17] Constituição Mineira de 1989: Art. 199 – Estabelece autonomia universitária e define a forma de constituição da UEMG; Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: Art. 81 – Cria a UEMG; Art. 82 – Possibilita a absorção, pela UEMG, de fundações educacionais.

[18] MOREIRA, Samantha. C. de O. Interiores de Casas Residenciais em Belo Horizonte: a década de 1950. 2006. 137f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.

[19] ESCOLA DE DESIGN da Universidade do Estado de Minas Gerais (ED/UEMG). Projeto Pedagógico – Curso de Design de Ambientes. Belo Horizonte, 2003.

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