Por Farlley Derze*
Texto originalmente publicado na Revista Luz & Cena, edição número 148, nov/2011, autorizado pelo professor Farlley a sua publicação aqui em meu blog. Este faz parte de uma série de 5 artigos que serão publicados na revista.
Durante milênios para se produzir luz artificial foi necessário alguma forma de combustão: foi assim com nossos ancestrais paleolíticos das cavernas há aproximadamente 500.000 anos, quando descobriram o valor do fogo para aquecer o grupo e iluminar o espaço noturno. A chama como fonte de luz artificial foi uma situação que perdurou até o final do século 19. Conclusão: a luz artificial tinha cheiro. Uáu! Então nossos tataravós e toda aquela gente famosa como Platão, Cleópatra, Nero, Joana D’Arc, Galileu, Mozart e quem mais você puder se lembrar tinha o seu ambiente noturno iluminado por chamas. Podemos então inverter o velho ditado e dizer: “onde há fogo há fumaça” (e um cheirinho). Roupas, cortinas, cabelos, tapetes, paredes… o ar…, se o ambiente era escuro sem janelas, ou quando a noite chegasse, a luz tinha seu cheiro. De 2009 a 2011, compilei mais de 600 entrevistas em 14 capitais brasileiras com idosos que foram testemunhas da iluminação artificial produzida por uma chama. Ouvi relatos de que ao se dormir com as lamparinas de querosene acesas, à meia-luz, as narinas amanheciam pretas da fumaça. Os cabelos e os pijamas tinham os vestígios do cheiro do querosene. Voltemos no tempo: imaginemos nossos ancestrais das cavernas, Aristóteles ou Beethoven e nossos tataravós que também não conheceram a iluminação elétrica, essa que temos hoje – inodora. Que tal voltarmos nos tempos de Shakespeare para nos sentarmos dentro de um teatro elisabetano e assistir a uma de suas obras à luz de velas? E a fumaça? Há inúmeros filmes de época que mostram a realidade tecnológica da iluminação artificial, e lembrei-me agora do filme “Em nome de Deus”, que se passa no século 12. Lá tem uma cena no interior de uma taberna onde se desenrola uma peça teatral. Você vai ver a quantidade de fumaça que exala das velas situadas na boca de cena – as luzes da ribalta daquela época.
A essa altura você já deve ter concluído: uáu, a luz artificial além de ter cheiro tinha apenas uma cor, a cor amarelada da chama… … inclusive a cor da luz se manteve amarelada mesmo com a chegada das primeiras lâmpadas elétricas no século 19. Basta compararmos a chama acesa da combustão com aquele pedaço de brasa do filamento incandescente que foi engarrafado dentro de uma bolha de vidro. Concordo com sua conclusão, e acrescento um tempero a ela. Foi o químico inglês Humphry Davy que deu o ponta-pé inicial para a conquista da luz elétrica, ao demonstrar em 1802 que um filamento de platina incandescia quando oferecia resistência à passagem da corrente elétrica. Em 1808 ele criou a primeira lâmpada elétrica, que não era incandescente e sim a arco-voltaico, que iluminou cidades da Europa nas duas últimas décadas do séc. 19 e nossa antiga capital Rio de Janeiro até 1920, além de servir ao cinema para projeções até os anos 80. Durante o séc. 19, um francês, um russo e outro inglês inventaram suas lâmpadas elétricas incandescentes, mas nenhum deles teve a perspicácia de Thomas Edison. Foi Thomas Edison que… digamos…socializou o artefato, pois criou a primeira fábrica em 1890 – a Edison General Eletric (GE). Pronto: luz elétrica em casa, luz sem cheiro. Edison tentou 2.000 tipos de filamentos: bambu carbonizado, platina…e até cabelo de seus funcionários ele arrancava de suas cabeças para fazer passar a corrente elétrica…enfim, testava tudo que a imaginação permitisse. Mas foi uma simples linha de algodão (daquelas de costura) que se demonstrou ser o melhor filamento para deixar a lâmpada acesa por aproximadamente 45 horas – um recorde. Bastou impregnar a linha com alguns restos carbonizados que ficavam depositados no fundo dos lampiões a querosene. E a linha enegrecida ficou em brasa com a passagem da corrente elétrica. Luz elétrica, e luz sem cheiro.
Hoje a vedete tecnológica é o LED, isto é, os “diodos emissores de luz”, que eu gosto de pensar neles como uma espécie de vagalumes artificiais.
Agora você chegou a mais uma conclusão: o mundo se coloriu a partir da luz elétrica. Quem não se lembra da luz colorida da lâmpada de néon, inventada pelo químico francês George Claude em 1902? Hoje as cores luminosas estão em telas de computadores, celulares, tablets, TVs, nas ruas e nos olhos apaixonados. Contudo, justiça seja feita, o teatro deu sua contribuição às cores da luz muito antes da eletricidade, lá nos tempos de Pedro Álvares Cabral. Foi uma ideia do italiano Sebastiano Serlio, em 1551, que deu origem à iluminação colorida na cena, história que vou contar na próxima edição. Despeço-me com um abraço a todos os iluminadores cênicos, essas criaturas geniais que criam colmeias de luz na caixa cênica.
*Farlley Derze é Prof.do Instituto de Pós-Graduação; Diretor de Gestão e Pesquisa da empresa Jamile Tormann Iluminação Cênica e Arquitetural; membro do Núcleo de Estética e Semiótica da UnB. Doutorando em Arquitetura. diretoria@jamiletormann.com